Emilio, Tabea e Tibicus partiram para Venore em busca de respostas sobre o chapéu e o paladino fora-da-lei.
Após um extenso reabastecimento na loja de Xodet, Tabea, Emilio e Tibicus deixaram sua cidade natal pelo portão leste. Já era tarde e Suon já havia perseguido sua irmã Fafnar por todo o firmamento. Os últimos raios dos dois sóis se pondo transformavam as videiras onduladas dos campos de trigo em um mar vermelho. Palomino estava prestes a recolher seus cavalos e acenou para os três aventureiros que passavam e o Monte Sternum se erguia sobre a paisagem em volta de Thais, lançando longas sombras que anunciavam a escuridão que caía.
Havia uma atmosfera estranha entre os três amigos. Não só era muito desagradável para Tibicus que seus companheiros tivessem que pagar por seus suprimentos devido à sua miséria financeira, mas também lhe dava um aperto no peito ver Tabea recuperando a esperança. Sua ingênua esperança de que tudo se esclarecesse e que Fridolin acabaria se tornando um dos mocinhos no final.
Em circunstâncias normais, ele não hesitaria, mas, na situação atual, ele achou melhor apenas ficar quieto. Então ele ficou bastante aliviado quando Emilio quebrou o silêncio e começou a xingar Beefo e sua gangue. Concentrar a raiva em um inimigo comum era exatamente a coisa certa para fazer o tempo passar na jornada até Venore.
Perdendo-se em uma série de reclamações e palavras explícitas, não demorou muito para que o mau cheiro do Green Claw Swamp penetrasse em suas narinas. A água verde e borbulhante encharcava as raízes emboloradas dos arbustos escorregadios e árvores mofadas. Ao lado do caminho estreito e pavimentado, o solo lamacento e o musgo úmido se espalhavam até onde os olhos podiam ver. Apenas a grande ponte de pedra que se erguia sobre o pântano prova que essa área pantanosa já foi uma dia desenvolvida por mercadores ambiciosos.
Tibicus imediatamente percebeu que algo estava errado. Ele lembrou que a área costumava ficar lotada por centenas de comerciantes de Kazordoon e Ab’Dendriel. A agitação dos moradores locais e turistas, o ar sendo preenchido de gritos de comerciantes. Agora, a única coisa que ele podia ouvir era o barulho de bolhas tóxicas vindo do pântano. Todo o resto estava quieto. Quieto demais.
“Já faz algum tempo desde que você esteve aqui, não tem?” perguntou Tabea, que parecia ter interpretado corretamente sua cara de estramento.
“Desde que Beefo assumiu o controle, os comerciantes se mudaram para outras cidades. Nenhum homem de negócios honrado queria estar associado a esses tipos suspeitos, quanto mais fazer negócios. Pelo menos não oficialmente.”
Tibicus respondeu com um aceno de cabeça e fez a feiticeira entender que essa informação era suficiente, para ele.
Quando passaram pelas imponentes torres de pedra e entraram na cidade pelo portão oeste, o cheiro de mofo dos pântanos desapareceu lentamente e, em seu lugar, nuvens escuras de fumaça e o fedor cortante de madeira queimada e metal começaram a permear o ar.
“O que aconteceu aqui?” perguntou Tabea. “Metade da cidade parece estar pegando fogo!”
“Eu não sei. Talvez os incendiários tenham feito uma visita a Pyro Peter, afinal de contas?” Emilio sugeriu com sarcasmo. Ignorando o comentário supérfluo, Tibicus disse: “Acho que podemos ir mais fundo, a fonte do fogo parece estar mais a leste. Tenho certeza que Beefo é responsável. Pegue esses panos e cubra seus rostos, não é muito, mas é melhor que nada.”
Com essa proteção respiratória um tanto fraca, eles avançaram em direção ao centro da cidade. No entanto, a cada passo, a fumaça negra tornou-se cada vez mais agressiva e logo começou a infestar seus pulmões. Quanto mais eles seguiam as ruas desertas, pior ficava.
A fumaça condensada trouxe lágrimas aos seus olhos, mas Tibicus conhecia apenas um destino: A guildhall Valorous Venore.
Tabea e Emilio foram mantidos como reféns nesta casa. Ela era o quartel general de Beefo e seus capangas. Se houvesse respostas, este seria o lugar para encontrá-las.
Mesmo que a fuligem em seus pulmões tornasse a respiração cada vez mais insuportável, Tibicus entrava obstinado pelas paredes de fumaça negra. O impulso de vingança e a esperança de recuperar seu amado chapéu o empurravam à frente.
Quanto mais perto eles chegavam do abrigo, mais eles percebiam que a origem do fogo parecia vir de lá. Do portão oeste, eles haviam partido para o leste e, quando as vigas em chamas bloquearam o caminho para o portão sul, viraram para o norte, entrando na Lucky Lane. Depois de chegarem ao cruzamento da Lucky Lane com a Salvation Street, à direita do armazém da Dress for Success, de Hugo, para ir em direção à guildhall, eles foram presenteados com uma imagem de terror.
Uma enorme bola de chamas deve ter explodido pela rua. As paredes da casa estavam cobertas com uma espessa camada de fuligem e cinzas, enquanto a superfície da estrada estava pintada de negro.
Os caixões de madeira que Ashtamor normalmente exibia na rua estavam carbonizados e queimados e vigas antes enormes e pesadas estavam brilhando e gradualmente se dissolvendo em um pó fino e cinza. O calor que irradiava das paredes de pedra ao redor era quase insuportável e os cadáveres tão queimados que não poderiam ser reconhecidos pavimentavam o chão.
Quanto mais adiante na estrada eles andavam em direção à guildhall, mais alto ficavam os gemidos de dor daqueles que tinham sobrevivido ao fogo e estavam agora imobilizados na vala com queimaduras graves.
Tibicus reconheceu alguns de seus rostos, eles eram todos capangas de Beefo.
Embora fossem grandes inimigos, Emilio se sentiu obrigado a ajudar os feridos. Ele fez o melhor que pôde para ajudar os que sofriam com pequenos feitiços de cura. O suficiente para aguentar a dor, mas não para que pudessem se levantar.
Como era um knight, Tibicus tinha não compreendia tal comportamento, mas, após intermináveis discussões, ele desistiu de questionar essa síndrome de benfeitor dos druids. Enquanto esses guerreiros permanecessem impossibilitados de se mover e atacar, ele não dava a mínima.
Ele estava bastante interessado na entrada da guildhall. A bola de fogo já devia ter perdido a maior parte do seu poder quando atingiu a parede da casa, mas fora forte o suficiente para queimar a fachada pretensiosa da guildhall. Na frente da guildhall, havia uma pilha de carne parada imóvel no chão. Com um olhar de desprezo, Tibicus se inclinou lentamente sobre o homem inconsciente.
“Ah, Beefo, bom te ver”, ele começou a zombar, mas, quando viu o rosto do homem, ele recuou.
Nenhum osso estava em seu lugar original. Lábios explodidos cobriam os poucos dentes que restavam em sua boca, enquanto o resto se espalhava pelo chão. Filetes grossos de cabelo estavam presos em feridas produndas e pulsantes e os traços faciais não eram nada além de uma polpa verde e azul.
Foi ao ver isto que Tibicus teve que reprimir uma ânsia de vômito. Sem entender, ele se virou e olhou para seus companheiros, que também estavam com uma cara de nojo.
Emilio ficou tonto e com uma cara péssima e, com as mãos na frente da boca para evitar o pior, cambaleou o mais rápido que pôde até o canto mais próximo para se despedir do que tinha em seu estômago. Quando Tabea foi atrás dele, ela reconheceu uma coisa brilhante que estava escondida sob a grossa camada de cinzas e foi revelada pelos rápidos passos do druid.
“Tibicus, acho que sei quem está por trás disso”, ela disse com a voz rouca. Na mão dela havia uma pena dourada.
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